Há 67 anos, usando calções e camisa de
manga curta costurados em casa na máquina Singer, eu saía de casa, com o
estômago forrado pela talhada de cuscuz com ovo frito, mas uma xícara de café
torrado e moído em casa, com leite das vacas que meu pai mantinha num pasto
próximo, saía para a escola, carregando a Crestomatia e um caderno. E a
merenda, um pedaço de pão com manteiga e
açúcar, enrolado num papel grosseiro, azulado.
Hoje abri a Crestomatia e revisitei as páginas
onde aprendi a ler, interpretar textos, apreciar a expressão literária em verso
e prosa, conhecer grandes vultos da história greco romana, lusitana e
brasileira, mestres da pintura, músicos, juristas, poetas, santos, que moram
nos textos que serviam aos primeiros passos da instrução pública e particular.
Os ladrões pediram ao padre, para que
fizesse um sermão que entendessem. O sacerdote começou: "Ninguém mais que eu se alegra
com vossa sorte, irmãos...Em cada dia de vossas vidas cheias de padecimentos,
sois insultados, julgados e condenados como o foi Jesus".Os ladrões aplaudiram, sentiram-se
orgulhosos.
E o padre continuou: "Como Cristo acabareis num suplicio
horrível, pendurados num pau (forca) ouvindo os gritos da turba. E como o mesmo
Cristo, depois da morte descereis aos infernos. A diferença entre vocês e o
Cristo... É que vocês vão ficar no inferno."
A Crestomatia utilizada nas escolas, respeitava, seguia a fé que alicerçava a educação de berço, os
princípios morais, os valores daquela família do passado que parece tão remoto.
Desde o primário, hoje conhecido como "escola fundamental", as
crianças conheciam textos de Machado, Castro Alves, Rui Barbosa, fábulas, contos
e uma geografia diferente que apresentava a Grecia antiga, as pirâmides e as
grandes cidades brasileiras, São Paulo, Rio, Porto Alegre... Um mundo de idéias e costumes variados, ricos.
Havia tempo para despertar a curiosidade
natural e buscar as respostas na leitura e interpretação de textos que destacavam
exemplos nobres e valores, sentimentos
generosos, na poesia de Guerra Junqueiro, Vicente de Carvalho, Correia de
Almeida, narrativas de José Bonifácio e até Camões. Ou religiões como o budismo do Dalai Lama nas montanhas geladas do Tibet.
Aprendi que a felicidade existe como está
descrito no ultimo terceto do soneto:
"Que existe sim, mas nós não alcançamos/ Porque está sempre apenas
onde nós a pomos/ E nunca a pomos onde nós estamos". Fazer como então? A
gente miúda daquele tempo aprendia a pensar para concluir que devia viver feliz
a cada momento, "amando-se uns aos outros".
Como as pessoas foram conduzidas por
caminhos diferentes, nem percebi. Apenas senti a agressão na forma de
costumes cada dia mais grosseiros,
principalmente machistas, desvalorizando as mulheres: piadas, depois o
feminismo acenando com "direitos iguais". Que igualdade? Lá em casa
as tarefas eram repartidas e os resultados da economia doméstica controlados
para o usufruto repartido segundo as necessidades específicas de cada membro da
família. Uma espécie de socialismo doméstico.
Fui agredido pela realidade diante dos meus
olhos nos anos 70, visitando uma fábrica onde centenas de mulheres estavam
aplicadas na linha de produção. Então pensei: "e os filhos, com quem
estão? E as refeições, quem prepara? E a gerencia da casa? E a leitura para
educar os filhos? E os cuidados com a higiene do lar? Todo um trabalho que exigia logística e
dedicação em tempo integral, estava "terceirizado".
Era o Estado tomando posse da tarefa de
educar e instruir, distanciando os filhos dos valores, da moral, da fé, dos
princípios que formavam os brasileiros como cidadãos responsáveis e orgulhosos
de seu torrão natal, pátria diferenciada. Então percebi que todos eram filhos
do Estado. A família estava arquivada. A Crestomatia também. O Estado fornecia
os livros contendo textos reles, interpretações enviesadas, não valores, costumes
pervertidos que no fim das contas alimentavam as mentes com os transgênicos ,
sanduiches e refrigerantes, drogas distribuídas pela nova ordem mundial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário