terça-feira, 24 de março de 2009

UM DECRETO CONTRA A AMAZÔNIA

por Klauber Pires

Por duas vezes estive em Roraima. Na primeira vez, era o ano de 2004, outra no ano seguinte. Conheci a fronteira do Brasil com a Venezuela, Pacaraima, município brasileiro, e Santa Helena de Uiarém, do lado caribenho.

À beira da estrada, filas intermináveis de caminhões carregando cereais em direção ao mundo, por via dos portos venezuelanos. Antes disso, a produção do Pólo Industrial de Manaus já comemorava os números das exportações por este canal recém-descoberto, com uma economia milionária por onde saíam do país caminhões abarrotados de produtos com alto valor agregado, tais como concentrados de refrigerantes, produtos de higiene pessoal, e motocicletas.

Boa Vista era uma capital em ebulição e o estado de Roraima, o campeão em crescimento populacional, derivado de forte imigração estimulada pelos bons ventos do agronegócio. Para quem não conhece a geografia roraimense, a partir da capital, Boa Vista, a paisagem amazônica cede lugar a suaves savanas, férteis e naturalmente excelentes para o plantio. Todos os grandes conglomerados ligados à produção rural estavam lá se instalando: lojas de insumos, aviões, caminhões, tratores e bancos, a trazer empregos de boa qualidade, grãos para o norte e divisas em dólar para o país.

Diante deste quadro, certamente desconhecido de dez entre onze ministros, jaz agora uma ficção jurídica chamada estado de Roraima, um território ilhado ao norte, pela reserva Raposa/Serra do Sol, e ao sul, pela reserva Waimiri-Atroari. Somente imagine o leitor que estes índios gozam oficialmente do usufruto da União, mas na prática, o que eles possuem é muito mais do que uma propriedade, e mais até do que uma autonomia, já perto de uma soberania plena. Para se ter uma idéia, o trânsito pela BR Manaus - Boa Vista é regulado por eles, que estipulam horário para entrar na reserva, senão o pagamento de pedágio.

De tudo o que Roraima significava em termos de Brasil, tudo o que sobrará serão alguns quartéis do exército, alguns serviços públicos indispensáveis e um Banco do Brasil, para efetuar-lhes o pagamento. Só.

Muita ingenuidade dos senhores ministros pensar que o nosso território estará seguro tão somente pelas nossas Forças Armadas. A história mostra a qualquer estudante secundarista que o que legitima um ato de soberania é a plena ocupação civil. Foi assim com o Acre, então boliviano, mas habitado pelos seringueiros brasileiros.

No Pará, a governadora Ana Júlia Carepa sistematicamente desobedece a todas as ordens judiciais de reintegração de posse (atualmente, mais de cem!) há mais de dois anos. Recentemente, foi denunciada pela Confederação Nacional de Agricultura, pela iniciativa da senadora Kátia Abreu (Dem-TO), que pediu a intervenção federal no Estado. Ora, mas quem diria, tirando a raposa do galinheiro para colocar um lobo! O Pará, enfim, consolidou-se como o laboratório de engenharia social do mundo.

O Julgamento sobre a demarcação destas terras terá um futuro nada abonador para a região Norte. Ao chão a confiança de qualquer investidor. Quem plantava ou criava, irá aos poucos abandonar ou ser desapropriado. Terra de Ninguém.
(Originalmente publicado no site do Diego Casagrande)

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