sexta-feira, 1 de maio de 2009

PASSADO E PRESENTE

Por Arlindo Montenegro


Aquele passado que os textos escolares e quase totalidade da mídia publicada registra de modo caolho, interpretação unilateral, moeda cujo valor face foi desfigurado, ninguém pode mudar. Aquele passado, passou e deixou marcas indeléveis para os que têm mais de meio século de vida. Talvez alguma memória para os que eram jovens nos anos 80: a visão possível de um país independente.

Desde então com ajuda das tecnologias que se renovam a cada dia, o concreto, a vida material pura e simples, mais próxima do irracional, parece ter borrado da memória a capacidade de abstracionismo, sonhos, cogitações futuras. Talvez porque o pensamento, a vida abstrata acaba impondo renúncias e responsabilidades morais.

Deveres são descartados num ambiente de medo, num ambiente de “salve-se quem puder”. Deste modo, a autoridade familiar, bem como das instituições públicas e privadas que normatizam e cobram procedimentos são propagandeados como descartáveis. “Viver agora” justifica todos os “excessos”.

O poder concreto da família – espaço material arrumado, história nos utensílios e fotografias, disciplina doméstica, aprovação necessária, castigos conseqüentes de transgressões, pais e parentes presentes com autoridade amorosa – já foi um poder apoiado pela presença da religião familiar. A concepção e veneração a um Deus, limitando os excessos, facilitando a civilização.

A família encontrava a sociabilidade no local de prática dos cultos onde os jovens começavam a interagir e relacionar-se com o abstrato, com a matriz das emoções que estariam presentes orientando as escolhas adultas. O julgamento e a pena a temer ficavam para o encontro com a eternidade. O Juiz interior ditava escolhas e valores para uma vida virtuosa.

Para o mundo concreto estavam as “leis dos homens”, os códigos que eram aperfeiçoados, para que as relações humanas fluíssem com melhor qualidade, para o bem comum. Nos últimos anos parece que a escrita e o foco das leis, mudou para sustentar a permissibilidade total promovida pelo estado total. Os transgressores têm mais direitos que a sociedade dos homens corretos. Os que não crêem em nada agem sem limite, aterrorizando os corretos.

Um dia fomos premidos pelo “pecado original”, pelo “carma”, pelo “destino”, adestrados para respeitar o semelhante. Os juizes julgavam e isolavam os criminosos preservando a segurança da sociedade. Desde que mudaram a história, o valor atribuído aos que trabalham a mais foi igualado ao valor dos que menos trabalham, dos que não trabalham e dos que praticam crimes.

Para quem trabalha e estuda, dia a dia, durante anos, economizando e planejando a aquisição de cada bem, são pagos mínimos salários gravados por impostos crescentes. Para quem mostra a bunda ou outras partes anatômicas antes “pudendas”, aplausos! A glória! O prêmio equivalente a uma loteria ou um rendoso assalto a banco. A propaganda fatura com o “artigo de consumo” do momento.

Sexo, luxo, drogas, irresponsabilidade, parecem ocupar hoje todo o espaço cerebral das cogitações. As conseqüências para o equilíbrio entre a vida abstrata (alma) e a vida material (consumo) são desastrosas. Viver agora: de modo animal, inconsciente e inconseqüente. Qualquer conduta é “humana” e como diz um dos governantes, “sem provas evidentes não há crime”.

Para subsistir neste ambiente, vale o deboche, vale a incoerência, vale o crime, vale justificar o roubo apontando outro ladrão, vale subverter todos os valores transcendentais que costumávamos chamar de virtudes. Valores concretos foram sufocados na família, na igreja, na escola e na convivência social.

A conseqüência das imposições do materialismo militante é o caos, este ambiente de vulgaridade e impunidade em que as leis privilegiam os que as transgridem, podendo todos descumprí-las, negar as transgressões ou pagar por uma sentença.

Tenho sido apenas um hospede que por mais de meio século habita este corpo, esta forma de vida, na condição de visitante. Cada dia me aproximo mais da volta à casa, um lugar deletado das cogitações materiais passageiras. Neste momento da vida, neste Brasil amado, agradeço a cada dia por estar no limiar do mergulho no universo abstrato, um retorno ao silêncio ou nada mais que repouso. Mas, enquanto viver vou dizer NÃO a esta realidade infamante.

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