Por Arlindo Montenegro
É bom demais afastar-se da zoeira metropolitana, entre as montanhas onde os sinais de celulares não chegam, sem rádio, sem tv, sem jornais, sem notícias, com o leite matinal chegando direto do curral no momento em que o pão caseiro cheira no forno concorrendo com o aroma do café.
É bom demais passear ao alvorecer sem os fedores e os riscos, sem os ruídos e a correria, sem hora marcada, atento apenas ao relógio biológico que avisa sobre o frio, sede, sono ou fome. O múuuu das vacas, o vento na folhagem do pomar onde os passarinhos disputam frutos maduros, quebram o silêncio em performance, ordenada, ritmada, ora tocata para uns poucos instrumentos, ora palpitante orquestra.
As pessoas vivem a vida cumprindo tarefas simples e se juntam para atender emergências sem plano de contingência. Os filhos destes simples costumam fugir dos vales entre montanhas para as metrópoles. Anos depois voltam, “sabidos”, “críticos” e nem sabem mais distinguir entre farinha e fubá. Revolucionam a cabeça e o espaço da gente, depois se vão deixando tudo de pernas prô ar, desarrumado e sem solução.
Querem mudar tudo e suas teorias acabam fazendo a casa cair. As mães comentam com as comadres: “voltou tão diferente, cheio de novidades e nó pelas costas... nem parece a mesma pessoa”. E não é mesmo. O filho visitante é um “homem novo”, frio, refratário aos sentimentos que embalaram a infância, cujos valores foram repudiados e substituídos pela “esperteza”, comportamento de competição entre coletivistas em seus ambiente.
O menino agora é quase doutor sabe mais que os pais que nunca viram uma tv, cinema, teatro... que nada sabem da riqueza do Brasil, nem do que se pode fazer abrindo caminhos para o futuro, em que todas as pessoas sejam conscientes de seus deveres, para gozar do direito de viver dentro de limites responsáveis na interação com os semelhantes.
Tinha mesmo perdido a memória de coisas simples, naturais, como o sabor do leite puro, saído recém do peito da vaca que rumina seu capim na pastagem verde, recebendo ao cair da tarde uma ração de sal junto com o colonião picado, merendinha para reforçar a produção de leite, que solta somente depois de alimentar as crias. O leiteiro, Davi é generoso e presenteia os clientes com excelentes queijos, frescos ou curados, além de vender a manteiga feita numa daquelas máquinas manuais confeccionadas em madeira de lei com uma manivela para acionar a pá interna.
Nunca tomou um empréstimo bancário. Vive com a mulher e dois filhos cultivando a terra, renovando a pastagem, moendo cana, cuidando das vacas, galinhas e porcos. A horta está espalhada entre as fruteiras numa área interditada aos bichos grandes. É gerânio em flor ao lado de alfavaca, logo orégano e manjericão na companhia íntima de cenouras e alfaces... uma zorra! Desordenada, viçosa, saudável.
Inda sobra tempo para prestar serviços às chácaras vizinhas, aparando grama com uma máquina roçadeira que faz muito barulho, por isso ele trabalha com algodão nos ouvidos. A mulher anota tudo num caderno de receitas e despesas. Televisão nem gostam, “só tem bestagem e maleducação”. Bom mesmo são os “louvores evangélicos” que fazem bem ao coração. Uma vez por semana toda a família se desloca a 6.5 km para o culto no templo mais próximo.
Esta é a parte de um Brasil honesto, digno, responsável que os políticos e grande parte dos citadinos desprezam como se fossem pessoas de uma casta inferior. A humildade, a força espiritual que move estas pessoas é exemplar. O contrário do egoísmo e da competitividade, do consumismo incapaz de preencher o vazio dos que buscam fora de si, verdades adormecidas no interior.
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