segunda-feira, 26 de outubro de 2015

RETRATO SEM RETOQUE

Chegou cansado da viagem pelo metrô e ônibus entupidos. A televisão estava ligada e a mulher estava na cozinha preparando algum de comer.

- Oi! Que temos de bom?
- A surpresa de todo dia... Vai tomar seu banho...
- E os meninos?
- Foram acompanhar a tia Estela.

Sentou-se um pouco no sofá e viu de relance a imagem do corpo do policial queimado, crianças do morro armadas com fuzis AK, mira telescópica, - sabia porque tinha passado pelo serviço militar - o container no porto cheio de droga o fez lembrar das cenas dos bandidos fugindo de um morro "pacificado" para o morro vizinho, onde o império da droga foi dividido entre duas facções. Um território com leis próprias. As leis do crime organizado pelos narcotraficantes.

Levantou-se para tomar o banho pensando que as notícias chegavam pela metade como se alguém levantasse um véu para esconder os beneficiários e mandantes daquela guerra desgraçada. que atacava de surpresa e matava em qualquer lugar. Estava muito mudado o Brasil. A gente comum como ele só queria trabalhar, viver, educar os meninos, dar bom exemplo no bairro, ir à igreja de vez em quando pra não se viciar, que até os padres e pastores estavam com um papo muito furado.

Acabou a higiene e no quarto, abriu o notebook sobre a mesinha pra caçar as notícias que a televisão não dava. "Washington - Os Estados Unidos apreenderam 191 toneladas de cocaína no ano fiscal de 2015, um aumento de 20 por cento em relação a 2014, o que reflete a crescente colaboração regional no combate às drogas, informou na quinta-feira o chefe do Comando Sul, general John Kelly."

O tal general era o manda chuva do Comando Sul dos EUA. Um quatro estrelas responsável pelo combate às drogas na América Latina, atuando em coordenação com a DEA. Lembrou que só em Nova Iorque gastaram 400 milhões de dólares no combate ao tráfico. E ficou pensando que no Brasil os militares nem ligavam para as mais de 50 mil mortes da nossa guerra, que a polícia nem sabia mais o que fazer. O general americano dizia contribuir para a total segurança da zona, com treinamentos, exercícios de prontidão e capacitação, citando a tríplice fronteira do Brasil, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia...

Falando no Congresso, disse: "... Em face da disseminação corrosiva de redes criminosas e outras ameaças, temos de trabalhar ainda mais para assegurar que o Hemisfério Ocidental seja é um farol de liberdade, democracia e paz... " E o Brasil? Por que os militares não agem  conscientes desta urgência fazendo algo aparentado? Será que o Exército, a Marinha, a Aeronáutica não sentem responsabilidade pelos milhares de vidas, nem pela destruição moral e econômica do país onde o crime organizado deita e rola?

Nos Estados Unidos os militares assumem a responsabilidade no combate às drogas, exercendo seu dever e se comprometem com a segurança nacional e das Américas. Porque o nosso exército não segue o exemplo? Ocuparam uns morros no Rio, tiveram baixas e saíram, pichados pelas ongs de "direitos dos manos". Por que não garantem a segurança dos cidadãos numa guerra que nos perturba e agride, em casa, nas escolas, no comércio, nos locais de trabalho, nas ruas, com violência crescente?

Bastava um comando regional agir, entrar na guerra, que o crime organizado iria perder suas áreas. Uma ofensiva contra os terroristas tapando as fronteiras e marchando do sul para o norte e centro oeste. Pacificar o Brasil. Mostrar aos políticos que os brasileiros estão morrendo enquanto eles obedecem a cartilha dos comunistas. Mostrar que ainda existe dignidade e sentimento de identidade pátria. Mostrar que os militares têm um dever e que historicamente poderão ser responsabilizados criminalmente por leis previstas nos códigos militares e na  Constituição.


- Deixa este computador e vamos jantar, disse a mulher abraçando-o por trás e apoiando o queixo em seus cabelos úmidos. Lembrou da infância livre e solta brincando na praça. O filho mais velho estava pensando em fazer serviço militar, num exército bem diferente, que dispensava os soldados por faltar alimento nos quartéis... 

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