segunda-feira, 6 de julho de 2009

O DOGMA CORROMPIDO

Por Paulo Skaf

O crime organizado, responsável pela pirataria e pela falsificação de produtos, pelo contrabando, roubo de cargas, tráfico de drogas e comércio ilegal de armas – não bastasse os males causados à sociedade – é um dos grandes inimigos da economia. Impõe concorrência desleal a quem produz na legalidade e paga impostos; aumenta sobremaneira os custos operacionais das empresas, suscitando despesas com segurança patrimonial, física e logística; encarece o seguro e o resseguro, e inibe investimentos, pois agrava o risco. E tudo isso eleva o produto final, reduzindo o poder de compra das famílias e afetando a competitividade das exportações.
Assim, é muito preocupante – principalmente em meio à crise econômica, quando todos os obstáculos ao crescimento deveriam ser removidos – constatar a incapacidade das autoridades brasileiras de conter a ação perniciosa do crime organizado. Os prejuízos são imensos e crescentes, com reflexos e efeitos colaterais em cascata. Uma das mais perversas consequências é o desvirtuamento de milhares de jovens, em especial de famílias de baixa renda, que deixam escolas, estágios, projetos do terceiro setor e sua identidade cidadã para se converter precocemente em soldados de quadrilhas e milícias.
Diante da falta de perspectivas de uma carreira, a aflição do desemprego dos pais e familiares e as lacunas do sistema educacional, esses jovens são seduzidos pela "vida fácil" que lhes propõe o crime organizado. Tivessem educação de boa qualidade em período integral – com alimentação, assistência médica, orientação social, cultura e esporte – acesso ao ensino profissionalizante e, por consequência, maior oportunidade de emprego, seria difícil sua conversão à violência e à ilegalidade.
Outro efeito preocupante se refere ao consumo de entorpecentes por jovens de todas as classes econômicas. As estratégias de marketing dos traficantes e suas redes de distribuição, de eficácia crescente ante a omissão e a desinteligência dos organismos de segurança, tornam cada vez mais suscetíveis os "clientes".
O exponencial crescimento do tráfico de drogas no Brasil expõe a fragilidade dos sistemas policiais e de proteção social, multiplicando prejuízos econômicos e, mais do que isso, os danos morais e humanos. Caso emblemático desse drama foi o triste episódio ocorrido no domingo de Páscoa, em Porto Alegre, onde uma senhora de 60 anos, aposentada, atirou e matou o próprio filho, de 25 anos, aparentemente para se defender de agressões.
O jovem, um dos milhares de viciados em crack, há tempos vinha se desencaminhando pela violência, inclusive contra os pais, furtos e venda de objetos e até alimentos da casa para comprar a droga. Como se vê na desventura dessa família de classe média do Rio Grande do Sul, ninguém está imune aos efeitos deletérios do crime organizado.
Evidencia-se – nesse e em milhares de casos que engrossam a cada ano as estatísticas da violência – uma relação desigual entre o Estado e a sociedade. O primeiro tudo quer e exige quanto à cobrança de impostos. A segunda pouco tem em contrapartida pelo que paga de tributos, nem mesmo a garantia de direitos constitucionais básicos, como saúde, educação e segurança. Em 2008, a arrecadação fiscal ultrapassou R$ 1 trilhão, tendo crescido quase 15% em relação a 2007. As reformas estruturais foram outra vez postergadas, mantendo-se o arcabouço legal arcaico e prejudicial aos interesses do Brasil.
Uma tragédia humana como a ocorrida em Porto Alegre afeta todos os brasileiros, pois coloca em xeque a interação entre governo e população, deixando claros os resquícios obsoletos de uma inaceitável prevalência de um sobre a outra.
Um dos dogmas da democracia é o pressuposto do Estado como meio de os indivíduos, as famílias e as comunidades terem acesso às prerrogativas mínimas da cidadania (morar, ter saúde, trabalhar, estudar, ir e vir com segurança...). No Brasil essa relação ainda está um tanto deturpada, pois a sociedade, muitas vezes, é que tem sido apenas o meio de manutenção de um sistema público ineficiente, oneroso e incapaz de garantir os direitos humanos fundamentais.

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