O homem comprou o pedaço de terra com muito
esforço. Pensava que ali poderia, ao "abrigo inviolável" das leis que
protegem o indivíduo, fazer tudo para .plantar e colher, criar e educar os filhos,
envelhecer e morrer com o sentimento de dever cumprido.
Mas a Lei disse: "Não pode desmatar,
Não pode usar a água da mina sem pagar ao Estado, Não pode produzir sementes
para a lavoura, Não pode atrasar no
pagamento de impostos...Nem contar com a
ajuda dos filhos no seu trabalho, nem pode educar, nem castigar. O Estado os
fará cidadãos melhores...
Naquele instante pensou que estava sendo
qualificado como um cidadão pior, incapaz de cuidar da própria vida e conduzir
sua família para harmonizar-se com outras famílias, contribuindo com o exemplo
e o mérito na construção de uma sociedade, uma nação, uma pátria livre. Aí
ouviu a voz do coração: era mesmo um besta, um idiota pensando que as promessas
do Estado eram verdadeiras.
E ficou por ali pensando numa solução para
apaziguar as contradições do espírito. Tomou um café, fumou mais um cigarro,
acariciou os cabelos da mulher que colhia verduras na horta com ajuda do filho
e foi até o ponto mais alto da propriedade de onde podia avistar o mundo cheio
de montanhas. Sabia que depois das montanhas havia o mar e depois do mar o mais
além. Tudo contido no espaço infinito.
O filho mais velho, atendendo ao chamado da
Lei fora recrutado pelo serviço militar obrigatório. Mandaram-no para uma
missão "de paz" num país africano, lá longe, onde por dever de ofício
e treinamento específico, tinha de matar outros jovens, em nome da paz. Num
entrevero foi atingido mortalmente.
Restou a lembrança do sorriso saudável. das
risadas contando os causos e os acordes do violão calado, como que aguardando a
volta do dono, coberto de poeira. Violão e cachorro são bichos que se ligam
muito e acabam com a cara dos donos. Faltando estes, ficam tristes.
O homem recebeu mais porradas: o filho do
meio que, entre amigos adolescentes, conheceu as drogas na escola, tornou-se
agressivo e um dia qualquer não voltou para casa. A polícia foi avisada sobre o
menor desaparecido. E o delegado falou que bom mesmo era rezar. Teria sorte se
o menino fosse encontrado.
Respirou fundo e voltou para a casa. Seus
miolos ferviam e as árvores estavam florescendo para alegria da passarada. Na
mesa de estudos da filha estavam os livros e uma caixinha com dizeres "Saúde sexual". Abriu a caixa e viu
o pênis de borracha enfiado num preservativo. No caderninho impresso e colorido
ele começou a ler as instruções sobre o uso de drogas injetáveis, os cuidados
para cheirar cocaína e o aviso: "isto é segredo seu. Não mostre para seus
pais..."
O coração apertado e o amargo que tornava a
saliva semelhante a fel, as mãos e as pernas tremendo, chorou e imaginou-se de
repente como Davi diante de Golias, o Estado gigante. Tomou a caixa, os objetos
e o caderninho e foi direto para a
cozinha onde o fogo de lenha ganhou uma
labareda colorida e uma fumaça negra e fedorenta.
Na hora do almoço, tinha tomado a decisão:
-De hoje em diante você não vai mais para a escola. Vou ser professor aqui em
casa.
- Mas pai... Aquilo é um programa do
governo, do ministério da educação, da ONU...
- A ONU já matou seu irmão e agora quer
ensinar você a usar drogas... Basta o outro, que sumiu. Quer saber de uma
coisa? Quero que o governo, o ministério e a ONU vão todos à merda.
É...Tá feia a coisa...!
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