segunda-feira, 24 de maio de 2010

A MEDIAÇÃO BRASILEIRA NO CONFLITO COM O IRÃ

Por Alexandre Reis Rodrigues
(Jornal da Defesa, Portugal)

Conseguirá o Brasil provar que existe um caminho alternativo à aplicação de sanções ou ao isolamento internacional do Irão para levar o regime a cumprir as Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) que lhe exigem que pare o enriquecimento de urânio?

Há pouca gente que acredite nessa possibilidade; possivelmente só a Turquia e o Brasil que subscreveram um acordo[1] com Teerão, segundo o qual a Turquia será o depositário de 1200 Kgs de urânio pouco enriquecido (cerca de metade das reservas iranianas), para, cerca de um ano depois, o Irão receber 120 Kgs enriquecidos a 20% para o reactor de investigação e produção de medicamentos.

Até a Rússia e a China, que sempre ofereceram resistência a sanções, já terão dado o seu acordo de princípio a um novo pacote de medidas rigorosas e com um maior potencial de afectar o regime. Segundo notícias vindas a público, as sanções incluiriam, entre outras iniciativas, um embargo ao fornecimento de material de guerra ao Irão, o que acabaria com a possibilidade de Moscovo fornecer os mísseis de defesa antiaérea S-300, que tinha sido anteriormente prometido; Moscovo, no entanto, mostrou-se surpreendido com esta notícia e não a confirma. À semelhança do que já acontece com a Coreia do Norte, a proposta de resolução passa também a permitir inspeccionar no mar navios iranianos suspeitos de transportarem materiais proibidos[2], desde que haja consentimento do país de bandeira.

O acordo em si próprio nada adianta de significativo porque nem sequer se refere à questão central das actividades de enriquecimento de urânio, muito menos à possibilidade de o Irão vir a ter armas nucleares. Aliás, complica a argumentação em defesa da aplicação de sanções, passo indispensável para alargamento da base de apoio dos que as subscrevem e garantia da sua aprovação no CSNU, que exige o voto favorável de mais quatro membros do CSNU, entre os dez que não são permanentes[3]. Numa primeira apreciação, Teerão sai reforçado e com a sua imagem melhorada. No entanto, o acordo pode abrir, subsequentemente, uma possibilidade de diálogo sobre os temas realmente importantes, o que obviamente seria do interesse dos EUA. Isso explica a forma cuidadosa como Washington se lhe tem referido.

O Brasil nem quer discutir as sanções mas vai ter de o fazer quando a proposta de Resolução entrar no CSNU; para já, alega que conseguiu criar uma situação nova, de onde espera - deduz-se- uma alteração da postura dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, em especial, os EUA. Mesmo admitindo que as circunstâncias se alteraram com o acordo - o que não é fácil de aceitar - está longe de ser claro o que se pode esperar delas para fazer evoluir o contexto regional no sentido da redução das tensões existentes.

O compromisso aceite por Teerão, através deste acordo, não acrescenta nada quanto à possibilidade de renunciar à decisão, tomada há alguns anos, de prosseguir um programa nuclear sem cuidar de observar as seguranças que o Tratado de Não Proliferação (TNP) impõe e que a Agência Internacional de Energia Atómica tem procurado fazer respeitar, neste caso sem sucesso. Naturalmente, o Brasil e a Turquia calculam que, com a sua iniciativa diplomática, estão a facilitar um entendimento dos EUA com Teerão mas não se vê que isso possa acontecer apenas como corolário de uma eventual avaliação americana de que não existe qualquer alternativa senão contemporizar, uma postura a que o Congresso maioritariamente se opõe e que, na verdade seria desastrosa para a imagem e credibilidade americana.

Esse desfecho deixaria em aberto a possibilidade de uma alteração do equilíbrio de poderes regionais, com dois impactos inaceitáveis: agravamento da ameaça existencial sobre Israel e perda de controlo sobre uma região de que o mundo está muito dependente sob um ponto de vista energético e que continua a ser um foco de instabilidade. Por outras palavras, se não houver uma cedência da parte do Irão o conflito continuará, desfecho que, aliás, não desagrada nem á Rússia nem á China. Esta não encararia como positivo um entendimento que colocaria o Irão, mais um dos seus fornecedores de recursos energéticos, na órbita dos EUA; a Rússia, por outro lado, prefere os EUA militarmente ocupados na região do que disponíveis para actuar noutras que eventualmente possam ser mais problemáticas para os seus interesses.

Como a situação irá evoluir nos próximos dias, até ao encerramento dos trabalhos de revisão do TNP, constitui matéria de grande interesse dos observadores de política internacional naquela região do mundo. Obviamente, o calendário escolhido para a celebração do acordo e o prazo de um mês de que o Irão dispõe para fazer chegar à Turquia os 1200 Kgs de urânio foram pensados em função da data de conclusão dos trabalhos atrás referidos (28 de Maio) e da possível aprovação do novo pacote de sanções.

O Irão só cumprirá a sua parte do acordo se os resultados da revisão do TNP e da reunião do CSNU não lhes forem adversos; no caso contrário, torna-se-lhe fácil atribuir culpas aos EUA e UE e assim sair de forma minimamente airosa. Se os EUA decidirem adiar a apresentação do novo pacote de sanções para depois de 17 de Junho (data em que acaba o período que Teerão tem para cumprir o acordo) e o Irão tiver cumprido a sua parte do acordo feito com a Turquia e Brasil, numa demonstração de “boa vontade”, a aprovação de sanções vai tornar-se mais difícil. Qualquer um destes desfechos “ajuda” Teerão contra os interesses do Ocidente; pena é que isso possa acontecer com a ajuda do Brasil e da Turquia.

O que não ficará esclarecido proximamente será a natureza das razões e os propósitos finais da decisão de Lula da Silva de substituir o tradicional alinhamento do Brasil com o Ocidente por uma postura de envolvimento directo no conflito do Médio Oriente, à margem das políticas acertadas pelos EUA com a UE. Se o objectivo é assumir um papel de actor internacional à altura do estatuto de potência emergente, há que reconhecer que foi escolhido o caminho mais difícil.

http://www.jornaldefesa.com.pt/

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