domingo, 10 de janeiro de 2010

BATALHA DA USURA

BATALHA DA USURA

Por Oliveiros S. Ferreira, para o Jornal da Defesa.com
(Texto resumido)

Hoje, quando estamos para registrar quase 46 anos decorridos do movimento (que alguns chamavam de contra-revolução) de Março de 1964, é necessário repensar o combate e procurar compreender aquilo que de fato inspira os que estão no Governo.
Apenas um único fato pode explicar o empenho que a Ministra-Chefe da Casa Civil e o Secretário dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça fazem para revogar a lei da anistia e levar à barra dos tribunais penais aqueles que essas autoridades et caterva consideram violadores dos direitos humanos e como tendo cometido o que agora se chama crimes contra a humanidade. Este fato é evidente: a busca de apoio internacional capaz de silenciar protestos e de fazer que os tímidos (que podemos, sem sobra de dúvida, chamar de sipaios, pois servem aos que são ideologicamente seus inimigos) resolvam trocar a consciência de sua adesão aos governos de presidente militares — e a memória de todas as vantagens econômicas, sociais e políticas que tiveram à época — pela tranqüilidade que se conquista pelo silêncio.

A ausência desse apoio, que, apesar do entusiasmo com que o operário revolucionário eleito Presidente foi internacionalmente recebido, indica a cautela com que seu Governo era avaliado, explica também por que o primeiro mandato de Lula transcorreu em calma e ainda explica por que sabreur algum se atreveu a rever a lei da anistia. É preciso estar atento para o seguinte: não se trata apenas de levar adiante um desejo, já antigo, de revogar a lei da anistia. O que se persegue com afinco é anular a própria Constituição e fazer que as leis penais nacionais e os tratados internacionais incorporados à ordem jurídica brasileira tenham efeito retroativo, fazendo tábula rasa de um dos princípios gerais do Direito. Silenciosamente, mas sem esmorecer, aqueles que, no Governo Lula, desejam transformar o Exército em uma milícia ou uma gendarmaria qualquer, podem estar bem perto de conseguir este apoio internacional explícito – e esta é a diretriz fundamental da ação – o que ocorrerá no dia e na hora em que o Congresso Nacional, sob pressão de sabreurs e sipaios, concordar com que se restabeleça aquilo que consideram ser a verdade.

Os sabreurs cuidam, agora, de fazer que os direitos humanos sejam respeitados e os denominados crimes contra a humanidade sejam punidos. Mas preocupam-se com apenas um tipo de atos: os cometidos por militares durante os períodos de exceção.
E por que essa idéia fixa nos militares? Porque, insisto, é intenção transformar o Exército em uma gendarmeria. Porque é a Força de terra que ainda mantém condições de intervir no processo político, condições que sempre estiveram presentes em todas as intervenções militares de 1821 a 1979, quando a Junta Militar editou o Ato Institucional nº 17, dirigido especificamente contra o que chamei de Partido Fardado. A Marinha, primeiro, e ela juntamente com a Força Aérea, depois, nunca foram militarmente decisivas nestas intervenções, embora a busca da pretendida “verdade” deva atingi-las igualmente, já que todas as Armas, por este ou aquele fato, poderão também ser co-responsabilizadas. O que visa a tornar o Exército desarticulado, inoperante, incapaz de resistir à pressão psicológica dos sipaios que se intitulam órgãos ou membros da “sociedade civil”.

Qual Governo, que pretenda ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, ser mediador no Oriente Médio, defensor dos Estados pobres e injustiçados se recusará a atender àqueles que reclamam que “criminosos” sejam levados ao Tribunal Penal Internacional? Nenhum.

Os sabreurs sabem como trazer os sipaios e os indecisos para seu lado. Os primeiros, porque sabem que, por uma simples penada do Executivo ou uma fiscalização mais severa da Receita Federal ou do INSS, poderão ser excluídos do festim − em que o dinheiro é adorado como os fenícios adoravam. Os segundos, porque não desejarão ser incluídos no rol maldito dos que defendem os que são acusados de haver violado os direitos humanos e dos que defenderam uma ditadura. Os que analisam a crise não devem desprezar estes fatores psicológicos que afetam os que, mesmo não concordando com o Governo Lula por este ou aquele motivo − mas nunca pelos motivos fundamentais — não alcançam perceber a lenta destruição que sofre o Estado brasileiro, nem, muito menos, o quanto dependem da existência e do desempenho desse Estado.

A ausência de quem, com autoridade intelectual e política, seja capaz de expor as verdadeiras intenções do Governo, permite que os sabreurs façam manobras à vontade e possam recrutar adeptos — nas universidades, quando não nas Escolas Militares, e nos cursinhos preparatórios ao vestibular, quando não no ensino médio − apagando dos livros a História do Brasil e escrevendo com erros crassos de fatos, nomes e datas uma outra história qualquer à sua vontade.

O Governo Lula não tem pressa para vencer essa batalha que não é só sua, mas da qual colherá os louros. Sabe que sua será a vitória em 2010, qualquer que seja o resultado das urnas. Será sua não porque sua intenção é a melhor e sua política é boa, mas porque os sipaios afirmam que elas são. E, porque são sipaios, dar-lhe-ão a maioria política capaz de transformar as Forças Armadas, especialmente o Exército, de instrumento da política de Estado em instrumento da política dos Governos. O Governo Lula não tem pressa porque sabe que a batalha que trava é uma batalha de usura, e sabe também que tem mais “soldados” que os que pretende que sejam neutralizados.

Os passos no caminho da transformação do Exército em gendarmaria e na direção do aniquilamento do Estado estão sendo dados, um após outro: com o processo civil contra os dois Oficiais da Reserva do Exército, com a inclusão da “bandeira do Mercosul” entre os símbolos nacionais a que todos os militares devem continência, com a montagem da “Comissão da Verdade” que se pretende.

O exemplo da “bandeira do Mercosul” é emblemático. Para quem não soube, é bom que se explique. Desde 2004, rolou no Congresso, sem que ninguém noticiasse e protestasse, projeto transformando a “bandeira do Mercosul” (um feio símbolo garantido, como marca registrada, pela Convenção de Paris sobre a Proteção da Propriedade Industrial) estivesse presente em nosso cotidiano como se fosse um “símbolo nacional”. Aprovado pelo Congresso, esse projeto foi sancionado pelo Presidente da República às vésperas do Natal de 2009. O insulto à Nação levou praticamente cinco anos para madurar e poder ser saboreado. Hoje, por lei, a bandeira com o logotipo da união aduaneira denominada Mercosul será obrigatoriamente hasteada ao lado da Bandeira do Brasil. A ela, como à do Brasil, os militares prestarão continência e os civis deverão render homenagem, permanecendo imóveis, mãos no coração ou em posição de sentido.

Lentamente, o Estado brasileiro agoniza. Tal como cantou Noel, “morre hoje sem foguete, sem retrato e sem bilhete”. Morre na letra da lei.

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